Abaixo, texto escrito pelo estimado Professor Doutor Francisco Gérson Marques, da Faculdade de Direito da UFC - Universidade Federal do Ceará, a respeito do episódio envolvendo o texto do Prof. Dr. Glauco Barreira Magalhães Filho, intitulado "Casamento Homossexual e o fim da Democracia",veiculado recentemente no site oficial da referida faculdade.
Por seu conteúdo claro, respeitoso e contundente, resolvi publica-lo neste Blog, manifestando minha concordância com o mesmo, e reafirmado o meu apoio ao Professor Glauco Barreira e, principalmente, à defesa da liberdade de expressão, que alias foi parte do meu tema de Monografia em mencionada Faculdade.
Boa leitura:
Caros colegas do Programa de Mestrado/Doutorado em Direito da UFC,
Vi que ocorreu uma reação desmedida de grupos organizados contra o recente artigo do prof. Glauco Barreira, intitulado “Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ‘casamento’homossexual e o fim da democracia”, publicado no site da Universidade Federal do Ceará (UFC-Faculdade de Direito, www.direito.ufc.br), contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tema recentemente enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, o professor criticou, ainda, a determinação do CNJ-Conselho Nacional de Justiça para que todos os cartórios celebrem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Foi o bastante para que surgissem moças de seios de fora (?!), rapazes dançando sensualmente, nádegas expostas, pessoas em posições indecorosas e roupas levantadas, sons estridentes troando pelo prédio da Faculdade, palavras de ordem lançadas ao ar, grupos que nem sequer pertenciam à centenária casa universitária... Foi este o quadro de reação local, ao vivo e a cores, contra a opinião supostamente homofóbica. Além disso, falou-se em punição administrativa ao professor, o caso foi parar na Ouvidoria da UFC...
Parece-me que foi dada uma dimensão exagerada e deturpada ao artigo doutrinário, tendo a própria UFC emitido Nota de Esclarecimento a respeito, uma autodefesa da Instituição, atribuindo unicamente ao Professor a responsabilidade pelas ideias que manifestou, as quais não refletem a da Universidade. E retirou o artigo da página eletrônica. Quanto à primeira parte da Nota, não há nada de extraordinário, pois qualquer articulista é responsável, de fato, pelo que escreve; e, quanto aos demais aspectos, transpareceu o pronto desamparo institucional ao debate. É como se a UFC tivesse firmado uma posição, de tal modo que qualquer outra contrária a ela desmerecesse a consideração universitária. A última postura, consistente em retirar o texto da página da internet, conota a velha e ojerizada censura. Talvez, reversamente, uma homemfobia.
Independentemente do "mérito" do artigo, a propósito de que possuo posicionamento particular, não necessariamente convergente com o pensamento do arguto professor, acho que uma outra questão, muito maior, está em jogo: a liberdade de expressão, a liberdade que a academia deve preservar, porque é da divergência de opiniões que a Ciência é construída.
Particularmente, vejo a movimentação engendrada contra o Professor Glauco como atentatória à liberdade de expressão do estudioso do Direito. Uma corrente que almeja calar a boca de quem pesquisa e faz ciência, de quem discorda das concepções postas na rua, muitas vezes financiadas por grupos adeptos de determinada linha de pensamento. Basta alguém discordar da corrente ideológica e já recebe agressão, é violentado por multidões. Agressão verbal, manifestações públicas intimidatórias, que acossam quem possui opinião contrária.
Não faz muito tempo, os discordantes das concepções predominantes eram os abolicionistas, que foram perseguidos e, muitos, assassinados porque divergiam do endema social e da legislação então vigente. Na ditadura militar, amordaçadas as gargantas, quem ousasse pronunciar alguma palavra proibida pelos militares era torturado, exilado, morto. Na Santa Inquisição, toda concepção científica, religiosa ou moral tinha de ser exatamente a ditada pela Igreja Católica, sob pena de ser acesa a fogueira que consumiria os incautos.
O que caracteriza a Universidade é, justamente, a diversidade, a pluralidade. A academia não foi feita para um pensamento só. Ela precisa da liberdade de expressão. O que não se pode admitir são os atos de força para calar a voz dos pensadores, sejam eles quais forem. As coações, mesmo públicas ou disfarçadas de humanismos, são temerárias e, por si sós, já ofendem outros direitos igualmente consagrados pela Constituição e igualmente humanos. O que para uns possa soar como preconceito, porque confronte diretamente seus pontos de vista, para outros é manifestação da liberdade religiosa ou expressão da liberdade científica, consagradas, ambas, como direitos fundamentais. Neste sentido é que a mesma Constituição que, acertadamente, veda as práticas preconceituosas assegura a "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" (art. 206-II, CF). E, no particular, o tão questionado texto do Prof. Glauco não parece movido pelo intento insano de perseguir ou desrespeitar homossexuais, senão que ele não acha correta a interpretação da Suprema Corte brasileira e a determinação do CNJ, entendendo-as atentatórias aos valores da família. Esta é a concepção doutrinária e acadêmica do professor, que provavelmente possui visão mais conservadora do Direito e da Sociedade, do que pretendem alguns (ou muitos, não importa).
E o lugar público, mais legítimo de expressão do pensamento dos docentes, são os sites da Instituição a que pertence, os espaços públicos, em seu conceito político, por meio da palavra escrita. Ou será que, nestes espaços, só é admissível publicar o que seja unânime, concorde com a concepção da Instituição universitária? Qual o receito do debate?
A convivência da dialética é fundamental, cada qual respeitando a opinião do outro e abrindo o debate, o diálogo social, as considerações acadêmicas. As diferenças devem ser postas em mesa, de maneira franca e aberta. Não dá para concordar com os atos que oprimem e sufocam as opiniões manifestadas no seio da academia, um dos poucos redutos destinados à liberdade de pensamento. Ao invés de mordaças, vamos ao debate, com respeito e amadurecimento para ouvir e rebater. Não precisa ficar nu, balançar as ancas ou mostrar os seios para discutir. Faz parte das democracias o conflito de ideias e as diferenças respeitosas. Preconceito é outra coisa, que acompanha práticas odiosas, manifestadas em opiniões acríticas, pré-concebidas, insensatas, sem nenhuma sustentação científica. Este não é o caso em espécie, em que o professor realiza uma interpretação da norma, faz uma análise sociológica e expõe sua convicção religiosa, pessoal, sem grosseria a ninguém em particular.
Discordar da decisão condenatória do STF sobre o "Mensalão", por exemplo, não significa dizer que haja concordância com a roubalheira ou que, nesse caso jurídico, não tenha existido nenhuma prática de corrupção por parte dos acusados. De igual forma, discordar das vertentes homossexualísticas não leva, necessariamente, ao ódio nem ao preconceito, porque é possível, sim, a conjugação de ambas as concepções. Basta que os atores se respeitem e admitam viver com as diferenças, sabendo receber críticas e rebatê-las adequadamente, com a ponderação que os debates exigem. A ampliação do que seja homofobiatambém possui limites, devendo o conceito ser uma criação social e não apenas de um grupo. Há lugares e formas próprias para discutir o tema. Sem arroubos e sem achaques pessoais.
Discordar da decisão condenatória do STF sobre o "Mensalão", por exemplo, não significa dizer que haja concordância com a roubalheira ou que, nesse caso jurídico, não tenha existido nenhuma prática de corrupção por parte dos acusados. De igual forma, discordar das vertentes homossexualísticas não leva, necessariamente, ao ódio nem ao preconceito, porque é possível, sim, a conjugação de ambas as concepções. Basta que os atores se respeitem e admitam viver com as diferenças, sabendo receber críticas e rebatê-las adequadamente, com a ponderação que os debates exigem. A ampliação do que seja homofobiatambém possui limites, devendo o conceito ser uma criação social e não apenas de um grupo. Há lugares e formas próprias para discutir o tema. Sem arroubos e sem achaques pessoais.
O mesmo argumento utilizado para calar a voz de um professor, que diverge da interpretação dada por um Tribunal e da opinião de grupos organizados, pode ser utilizado noutra oportunidade, para fins maleficentes, como de fato o foi, por regimes de força, as ditaduras que remetiam os divergentes ao calabouço. Na essência procedimental, o raciocínio e a justificativa são, praticamente, os mesmos, servindo para o bem e para o mal. É extremamente preocupante a imposição de pontos de vista pela violência, pela intimidação, pela ameaça, pela coerção, pelo ataque virulento. Esta conduta pode justificar e levar a outras violências, porquanto a verdade é construída todos os dias, não havendo realidades prontas e acabadas. É com supedâneo em atos de violência e intolerância a outras concepções que existem os grupos de perseguição a etnias específicas e a outras diferenças sociais: neonazistas, Ku klux klan, IKA, radicais e extremistas em geral. São grupos que não aceitam sequer discutir suas ideias pré-formadas, seja elas certas ou erradas, não importa. Ora, a convivência e a troca de experiência dos grupos sociais é que tornam a vida em sociedade, no mínimo, suportável.
Na academia, ainda por exemplificação, é requisito do Doutoramento que a tese apresentada verse sobre assunto inédito ou apresente uma perspectiva nova ao que esteja sufragado. Mas, esta exigência acadêmica só poderá ser manifestada nos regimes de liberdade de pensamento, de democracia científica, perante a possibilidade institucional da divergência. Daí, ser tão caro à academia o valor da liberdade construtiva, da investigação e da discordância doutrinária. Particularmente, há alguns anos, padeci com preconceito editorial porque minha Tese de Doutorado, defendida com êxito na Universidade Federal de Pernambuco, criticava as decisões do STF, sob o ponto de vista social e político. A primeira edição saiu às minhas expensas, por editora local. Mas, por outro lado, a UFPE me assegurou o direito de inovar a perspectiva sobre a percepção das grandes decisões tomadas pela Suprema Corte do Brasil. A segunda edição saiu pela Malheiros, já em âmbito nacional e com reconhecida repercussão. Tudo porque me foi possibilitado o debate democrático, iniciado no âmbito acadêmico.
Na academia, ainda por exemplificação, é requisito do Doutoramento que a tese apresentada verse sobre assunto inédito ou apresente uma perspectiva nova ao que esteja sufragado. Mas, esta exigência acadêmica só poderá ser manifestada nos regimes de liberdade de pensamento, de democracia científica, perante a possibilidade institucional da divergência. Daí, ser tão caro à academia o valor da liberdade construtiva, da investigação e da discordância doutrinária. Particularmente, há alguns anos, padeci com preconceito editorial porque minha Tese de Doutorado, defendida com êxito na Universidade Federal de Pernambuco, criticava as decisões do STF, sob o ponto de vista social e político. A primeira edição saiu às minhas expensas, por editora local. Mas, por outro lado, a UFPE me assegurou o direito de inovar a perspectiva sobre a percepção das grandes decisões tomadas pela Suprema Corte do Brasil. A segunda edição saiu pela Malheiros, já em âmbito nacional e com reconhecida repercussão. Tudo porque me foi possibilitado o debate democrático, iniciado no âmbito acadêmico.
A liberdade acadêmica não pode ser renunciada nem transigida. Não pode ser proibida nem cerceada.
Por isso, manifesto-me pela liberdade de pensamento e de opinião, sem agressões nem assédios morais, mas com debates e respeito mútuo. E que a Instituição universitária não tome partido no confronto entre direitos de mesma hierarquia constitucional, sobretudo para sufocar o pensamento de um de seus pesquisadores, escudando-se na suposta exposição preconceituosa, que, na realidade, não justificou este adjetivo, para sufragar um único pensamento e adotar ato de censura acadêmica. E estou convicto de que o Programa de Pós-GraduaçãoStricto Sensu da Faculdade de Direito da UFC deve defender tais valores acadêmicos, com o respeito a todas as razoáveis correntes de pensamento.
Fortaleza, 28 de maio de 2013.
Prof. Dr. Gérson Marques
Faculdade de Direito-UFC
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